Série
de ações do programa performativo: “Desconforto
fresco para problema antigo”.
Tudo começou de conversas
sobre o momento atual: violência, intolerância, policiamento do pensamento.
Desejo urgente de manifestações para questões que nos incomodam. Serão tempos
obscuros e perigosos? A banalidade do mal? O que a arte como ação política tem
a ver com tudo isso? Pequenas performances
contra a barbárie. O que te incomoda? Sair dos nossos cômodos para habitar
nossos incômodos.
Programa:
Cada obsceno escolhe algum fato/tema/questão atual que o incomoda. Crie uma
ação/proposição individual ou coletiva. Traga materiais para a realização da
ação.
No encontro seguinte, 18
de Junho fizemos uma roda de desejos e partilhamos nossa táticas artivistas.
Foram escolhidas três ações para serem realizadas naquela tarde.
Nina Caetano e Wagner
Alves decidiram abordar a questão da violência contra as mulheres e os
homossexuais. Tatuar pela força da escrita no corpo da cidade os nomes, imagens
e textos sobre vítimas. Eu propus uma ação coletiva sobre a possibilidade da
vadiagem, da preguiça, da recusa à ideologia da produtividade ininterrupta.
Escritas
da revolta
Uma mulher parou para ler
um texto-manifesto de Nina e afirmou: “essa pessoa deve estar muito revoltada”.
No chão, nas paredes, nos postes da rua, escritas de revolta e memória. Cruzes
com nomes de mulheres assassinadas. Ação como exumação. Retirar momentaneamente
do esquecimento pessoas como eu e como nós. Não aceitar passivamente essa
anestesia da nossa possibilidade de nos indignarmos. Escrita como grito,
desabafo e denúncia. Tentativa de romper com nossa indiferença cotidiana. “A
dor da gente não sai no jornal”.
A via crucis do menino Rafael Barbosa, morto porque queria ser
estilista. Wagner caminha com a imagem da vítima. Na passarela do metrô os
últimos passos até à morte. Grafar uma vida interrompida pelo preconceito e
ignorância. Mais uma escrita da revolta. Mais uma cruz. Crucificados. Daí nossa
revolta. “Revolvere”: do latim,
revolver. Revolver injustiças, não sedimentá-las. Não deixar como estar.
Daí pequenas ações. Ações
diretas: “Não esperar. Recusar aqui e agora a colocar em stand by nossa revolta de
aqui e de agora, seja por respeito à lei, seja por esperara a Grande Noite,
seja por confiança na lenta marcha do progresso” (Morjane Baba, 2003).
A
violência da produção excessiva
Amarrados por uma corda. Corpos contidos. Estados de
relaxação? Isso é vadiagem. A memória de nossa ancestralidade indígena que se
negou a trabalhar e produzir para os colonizadores e foi denominada “cultura da
preguiça”. Em 1838 tivemos o documento “Os Corpos dos Trabalhadores” no Pará,
cuja lei criminalizava a ociosidade dos nativos e mestiços. Tornou-se pecado
capital. A história do Brasil é uma história de violência. Busquei essa imagem
e a trouxemos para a rua. Escutei: “quem não está hoje com a corda no pescoço”?
Eu sei quem está: o
negro, a mulher, o transexual. Aqui em Pindorama a violência chegou com a colonização
e depois se efetivou com a escravidão do povo africano. Continuou, séculos
depois, com as ditaduras governistas e hoje se atualiza com a polícia
militarizada e uma sociedade de privilégios que clama por vingança ao pedir a
redução da maioridade penal e o extermínio dos pobres. Como afirma Maria Rita Kehl: temos uma longa tradição de
violência social. Ela nos é tão íntima, que já se tornou naturalizada.
Entre o que foi, o que é
e o que poderá ser, resta-me mais do que a utopia de uma grande mudança causada
por uma pequena ação artística e de protesto, resta-me a persistência de me
manifestar, de não me encolher, de não calar, de não aceitar as coisas como
elas estão.
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