agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

quarta-feira, setembro 24, 2014

Jogo dos sete erros: Apontamentos perfográficos a partir de “Geografia Inútil” do ERRO grupo


(Experiência vivida no dia 08/09/14 na Praça da Alfândega em Florianópolis/SC. O ERRO grupo tem como integrantes: Luana Raiter, Luiz Henrique Cudo, Pedro Bennaton e Sarah Ferreira. Para saber mais: www.errogrupo.com.br).

1- Parece-me um show musical no centro da cidade. Parece-me uma feira de variedades. Espaço aberto. Parece-me um pequeno grupo de vendedores-ambulantes que desejam conseguir nossa atenção e adesão. Parece-me uma provocação para os transeuntes. Certo ou errado?

2- Eles nos convidam para uma maior aproximação à um espaço improvisado. Uma tenda de ciganos? E nos abandonam lá. Saem e nos deixam reunidos. Algo acontece: as pessoas se olham, se reúnem e se re-conhecem! Somos parte da cidade. Mas somos cidadãos?

3- Começa a música. Anúncio e propaganda da venda do disco vinil da banda Geografia inútil. Quem quer comprar? Vinte reais. Eles nos pedem ajuda. Arte é produto?


4- Carnalidades no espaço público. Ironia: o show vai sendo abandonado pelos integrantes. Quem tem coragem de assumir o fracasso numa sociedade do sucesso? Sobreposição de ações, imagens e situações. Relações nascem no espaço. Roupas trocadas, discos lançados ao vento, capas de disco rasgadas e escritas inauguradas. A cidade-placa surge com suas dramaturgias. A escritura (texto performático) nasce diante de nossos olhos? O que se inscreve? Textos protestos de corpos de carne.

5- Não há mais centro nem margens. Tudo acontece! Surgem os estereótipos de uma visão colonizada do Brasil: carnaval, mulata, futebol, heróis e ambulantes de rua. Que geografia mais inútil! Mistura de teatro de rua e intervenção urbana. Composições espaciais. Vejo um senhor segurando uma placa-capa rasgada do disco. Vejo o Batman nas árvores da praça. Fluxos da vida urbana. Quem performa agora?

6- Caos? Ordem? A Voz do Brasil? Isso é espaço público? Em qual geografia você está aprisionado? E o poste que se transforma numa instalação com objetos, roupas e adereços? Quem faz parte dessa ação na cidade? Aquela mulher ali na praça também “erra”? Embaralhamentos. Sim? Não? Talvez? Erro ou acerto? Paisagens se des-locam. Se há geografia, essa é nômade! Trabalho político. Espaços globalizados? Certezas diluídas. Existem identidades nacionais?

7- A cidade performa. De-forma. RE-forma. O ERRO GRUPO perfura a estabilidade dos espaços. Corpos que brincam de viver! Acontecimento. Anarquia. Escrevemos todos nossos textos e deambulamos nossas poéticas pela praça. Concentração e circulação de corpos, desejos e afetos. Utopias. Uma política da Proximidade. O confronto com os estranhos. A desordem vivifica! “O jogos dos passos cria espaços, tece lugares”. Essa frase é de quem?

( ) Michel Certeau
( ) Michel Foucault
( ) Michael Jackson.

TENTE ERRAR! TENTE!

Vivenciei espaços para o erro. ERRO pára a vida? Ou ERRO PARA A VIDA?

Falta mais erro em nossas vidas?

segunda-feira, setembro 22, 2014

Entre o ouro e o preto, eu quero a nuvem

(Publico o texto final do show "Sonoridades Obscênicas", especialmente criado para a cidade de Ouro Preto).


"Entre o ouro e o preto
eu quero a nuvem
Teu corpo penugem
com teu corpo suar!

Foto de Beatriz Mendes


Entre a igreja e o Bar
eu quero cantar!
Orar
em línguas de bêbado e poeta
quero Ouro Preto aberta
não ter mais que pagar!

E de bar em bar
feito procissão
pedir proteção
pró-tesão
pró- Amar!

Me acabar
em vida
se a bebida
não me lançar
para tuas noites nuas
beijar
tuas luas
e tuas ruas
Louvar!

Pois minha igreja não é barroca
Minha Igreja é o BARROCO
que não existe mais!
Ou então o BARRABÁS!!!
Saudades do Barrabás!

Eu quero um país Barrabás!
Chega de nação de jesus!
Vamos tirar o Brasil da cruz!
Do pecado, da moral e do sacrifício
vamos fazer do prazer um vício!
Chega de escravidão!
Eu quero um país pagão!
Feiticeiro, brincante e plural
porno-político e sexual!

A alegria é meu SANTO FORTE
meu FRIC, meu chilique!
Meu PORÃO TREZE
Minha RUA DA LAMA
Deixa Ouro Preto ir para a cama
fazer amor
sem preconceito de classe, sexo e cor!

Que se feche uma igreja
e se abra um Bar
para a Diferença livremente dançar!

Numa cidade sem palco
sem grades
sem anjos
sem santos
sem gruas!
EU QUERO BOTAR NOSSO BLOCO NA RUA!"

segunda-feira, setembro 15, 2014

Cena dissidente e estridente: SONORIDADES OBSCÊNICAS em Ouro Preto.


Para a apresentação do show Sonoridades Obscênicas na festa de encerramento do I Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFOP, na última sexta dia 12, um novo roteiro performático/multi-temático foi criado.

A dedicatória do show foi para figuras históricas da cidade como dona Olímpia, Efigênia Carabina e todos os negros e negras que construíram e constroem a cidade. Fora a saudação aos escravos, aos libertos e libertinos, incluindo aí os bêbados e poetas. A relação mítica e mística com a cidade se intensificou.

Com a coordenação musical de Sabrina Biê mexemos em alguns arranjos e ainda tivemos a presença intensa da cantora e atriz Thaiz Cantasini que leu poemas e cantou “Carcará”. Mais uma atualização ouro-pretana com essa participação especial dessa “mulher em chamas”.

Novos poemas surgiram como o “Pau Feliz” de Elisa Lucinda na voz de Frederico Caiafa e “A língua lambe”, um poema pornográfico do Carlos Drummond de Andrade na voz de Sabrina Biê. Distribuímos nesse momento pirulitos de coração vermelho para a plateia que lambia e se beijava... A intertextualidade está sempre presente nessa experimentação. Foi uma noite bem erótica.

Recuperamos o momento “Classificados” da cidade: anúncios sexuais, de cura, de vendas e concomitante a formação de um “trenzinho da alegria” corporal. Aqui a produção de corpos libertos experimentando novas formas de prazer. Mas prazeres dissidentes.

Isso sem falar nos figurinos repaginados e maquiagens sempre novas! Aqui surge uma questão: comecei como anjo de túnica , depois anjo de sunga até finalizar como indígena, ainda vestindo uma camisa de seleção brasileira. Uma passagem da cristianização ao paganismo. Do civilizatório ao selvagem. Isso devido ao fato de sermos um país cristão e Ouro Preto uma cidade extremamente católica. Foi uma desfiguração e decomposição de uma colonização europeia! E também uma crítica ao aspecto religioso que vigora em nosso país e viola nossos direitos humanos. Uma série de leis são vetadas devido à dificuldade de se fazer política de forma laica e realmente democrática.

No poema final (que breve publicarei) surgiu o corpo que deambula na cidade histórica entre as igrejas e os bares. Entre o céu e a terra (ou será o inferno?). Entre o sacrifício e o vício. Entre o pecado e o prazer. Entre a identidade e a diversidade. E escrevi sobre uma memória de bares que não existem mais em Ouro Preto e foi emocionante porque as pessoas reagiam intensamente e falavam nomes de inúmeros lugares. Afeto e memória de ESPAÇOS nos quais o corpo é FESTA, ENCONTRO, DIVERCIDADE, FELIZ-CIDADE!

E mais: espaços de liberdade de se estar, amar, expressar, transar e transitar. Um exemplo: o delicioso BARRABÁS (saudade do Wallace), bar alternativo de uma cidade de Jesus e de cruz! Espaço de resistência numa sociedade estruturalmente conservadora e heteronormativa.

Atualização, experimentação, paródia, ironia, deboche e fatos e acontecimentos passados em revista e revisão com.....POESIA, MÚSICA, DANÇA E TESÃO! Daí meu interesse nessa performatividade política do trabalho. Os cantos de umbanda ecoando como vozes dissonantes numa cidade predominantemente cristã. Show de protesto, festa de rua, sarau poético-político e teatro de revista contemporâneo.

Poéticas da Recusa

Foi uma apresentação desafiante. Nas palavras de Matheus: “um touro teimoso”. Não para ser dominado, mas conquistado. Lidávamos o tempo todo com o excesso, o caótico, o disperso, o estranho etc. Mas foi maravilhoso sermos “devorados” por aquilo que já acontecia anteriormente à nossa chegada. Não há como recusar o ACONTECIMENTO!

Não há como recusar a VIDA INTENSA!

Se há a possibilidade de uma recusa, essa para mim, se dá no campo das capturas de nossa alegria e DESEJO de se efetuar micropolíticas. De se criar micro-espaços. De se instaurar micro-utopias. Zonas autônomas temporárias. Espaços arejados.

SONORIDADES recusa o acabamento, o fechamento de formas, o não perceber os outros, a imposição de uma presença, a pretensão de ser mais arte que vida, a proibição de corpos manifestos ou corpos “many-festas”. Tudo isso porque penso que desejamos inventar, ainda que momentaneamente, um outro espaço, outras formas de existência que seriam poéticas também de uma recusa. Mas numa maneira

[…] de recusar todos esses modos de manipulação e de telecomando, recusá-los para construir modos de sensibilidade, modos de relação com o outro, modos de produção, modos de criatividade que produzam uma subjetividade singular. Uma singularização existencial que coincida com o desejo, com um gosto de viver, com uma vontade de construir o mundo no qual nos encontramos, com a instauração de dispositivos para mudar os tipos de sociedade, os tipos de valores que são os nossos (GUATTARI E SOLNIK, p.22, 2007).


E a força revolucionária da festa! Nos modificamos, modificamos os tempos, o espaço, modificamos corpos e sensações. Saímos de lá modificados e molhados pelas águas do desejo e do encontro. Tudo isso gerado pela Alegria. Pois:

a ética e a estética da alegria supõem uma boa dose de loucura não psiquiátrica, de poesia, de arte, isto é, do inútil. A alegria, como o desejo, é inútil, quer dizer, revolucionária. Só a alegria e o desejo são revolucionários. Eis porque a alegria não é uma produção de uma consciência domada, ressentida, analisada, divinizada ou divãnizada (LINS, p.54, 2008).

No final a celebração e a instauração de uma cidade na qual “todo mundo irradia magia”. Cidade-água, fluída, acolhedora porque “a força que mora n'água não faz distinção de cor”... Foi uma noite de amor!!!

Referências:

FURTADO, Beatriz; LINS, Daniel(org). A Alegria como Força Revolucionária – ética e estética da alegria. In: Fazendo rizoma: pensamentos contemporâneos. São Paulo: Hedra, 2008.

GUATTARI, Félix e SOLNIK, Suely. Micropolítica - Cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.