agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

quinta-feira, outubro 28, 2010

Cartografias de um Corpo Errante pela cidade

Durante a "cross-dressing" proposta por Leandro (inspirada em Schechner) fui acompanhante de Patrícia que vestida mais "masculinamente" (será que existe isso?) percorreu pelas ruas e lugares da cidade cumprindo um "mapa estrangeiro", isto é, o percurso trazido por outra pessoa.

Durante este percurso registrei uma cartografia de nossos corpos: Igreja São José- Loja Windsor- Shopping Cidade - Riachuelo- banco de assento no Shopping- Rua- Guajajaras- São Paulo- Praça Sete- afonso Pena- Prefeitura- Palácio das Artes- café do Palácio- pernas que doem- cansaço- Cidade cheia- cidade vazia- deslocamento- é só mais um corpo.... Que mapa será este? Resto de cigarro- banheiro masculino- 21:30h, ela sai do banheiro- saída do Pala´cio- Supermercado- Rua sergipe, nunca passei por aqui- folhas no chão- 21:45h, ela se senta numa mesa e fuma- pobres selecionam lixo dos prédios elegantes- ela troca de roupa no passeio- discussão com rapaz do bar- ela sai andando- caminho para o Maletta. Fim do percurso.


Lista de coisas que recolhi no percurso:
- folheto de igreja
-catálogo de acessórios da Riachuelo
- tampinhas de cerveja
- maço de cigarro vazio
- folhas secas
- postais de propaganda
- nota de compras do Carrefour
- resto de cigarro

Estes objetos sinalizam esta cartografia corporal, são rastros das mãos humanas, são materiais, são concretos, falam de trajetos percorridos, provas de um percurso, cartografam um corpo que passou pela cidade....

terça-feira, outubro 26, 2010

mulher de programa

ontem fiz dois programas.
um programa, segundo Eleonora Fabião (no texto "Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea"), é "um tipo de ação metodicamente calculada, conceitualmente polida, que em geral exige extrema tenacidade para ser levada a cabo, e que se aproxima do improvisacional exclusivamente na medida em que não seja previamente ensaiada. Performar programas é fundamentalmente diferente de lançar-se em jogos improvisacionais. O performer não improvisa uma idéia: ele cria um programa e programa-se para realizá-lo... Ao agir seu programa, desprograma organismo e meio". um programa é uma concepção de risco.
ontem. 16:20. estação central do metrô. uma mulher avança pelos corredores na estação, atravessa a catraca. uma mulher escrita, vestida de jornal. a mulher entra nos vagões, desce nas estações de metrô. ela posta-se. ela quer ser lida. essa é uma mulher painel.
a roupa é feita de recortes, o corpo "tatuado" e plastificado com notícias e imagens. A dramaturgia é tecida aqui por associações/justaposições/aproximações, por vezes irônica. tal jogo, embora produzido pela escolha artística, é necessariamente construído por quem lê. nas costas da mulher painel, vê-se, por exemplo, uma manchete: "mulher morre baleada no olho". próxima a ela, a imagem de uma bela morena, seminua e de olhos verdes, ressaltados pela frase que a anuncia: "que olhos!" a potência irônica está lá, mas será capturada? há a intenção de que ela seja? ou, libertando a leitura, não se libertou também a ação performática da necessidade de ter seus sentidos transparentes e decodificáveis? lá está também a notícia dos abortos ou das garotas violentadas. o transeunte está livre para fazer sua leitura e construir suas próprias imagens.
essa mulher, durante um tempo, passa despercebida. a estrutura institucional ainda não se manifestou. mas logo os seguranças a vêem. eles a interpelam, a seguem, vigiam. ela é potencialmente perigosa, provavelmente propensa a explodir, a qualquer momento, uma ação.

ontem. 19:35. chegamos ao encontro marcado em frente à igreja são josé. já estavam lá clóvis, patrícia, leandro e davi. chegamos eu, lica, matheus e um pesquisador da ufop que vai nos acompanhar, paulinho maffei. logo em seguida chegam saulo, joyce e nêga, além de luciana ramin, uma amiga de são paulo que trabalha com performance vídeo e também quer acompanhar o trabalho do dia.
vamos fazer o programa proposto por leandro no último encontro: uma deriva "cross-dressing". os homens e mulheres que vão realizar a ação, já estão "travestidos": lica de calça e camisa pretas, suspensórios. patrícia também de calça e blusa. joyce de pivete... leandro, de saia azul comprida, camiseta branca, lenço e brincos. matheus de calça e camiseta, mas de bolsinha branca, esmalte, batom e salto alto. saulo de meia calça, shortinho justo, camiseta e chapéu. eles trocam seus mapas (cada um deveria construir um "mapa" para a trajetória/percurso que o outro vai seguir, nas duas horas seguintes, pelas ruas da cidade) e partem, seguidos por nosotros, que, de longe, vamos observar e, se possível, registrar seus percursos e ações.
eu sigo leandro. de cara, ele sobe a espírito santo e entra na igreja são josé. senta-se em um banco da igreja. observa. depois se levanta e se dirige ao salão paroquial (depois ele relata que pediu para confessar com o padre e que, enquanto uma mulher insistia para ele ser atendido, o porteiro deixava claro que era impossível).
por fim, ele desiste e vai embora. eu o sigo até um bar na praça sete, onde ele se senta e toma um chope. também me sento e tomo um chope, bem no meio das pessoas para observar suas reações e tentar captar suas falas. lá, cruzamos com saulo e lu, que o acompanha (davi saiu com lica, nêga com joyce, clóvis com patrícia e maffei com matheus: vamos nos encontrar às dez, no maletta, para relatar as experiências vividas). lá, as reações são discretas.
leandro paga seu chope e sai, sempre comigo na sua cola. entra numa galeria, sobe as escadas e vai até outro bar. pede para sentar em duas mesas, nas quais estão rapazes sozinhos. eles recusam, sempre assustados. sento-me com ele e tomo uma água. resolvemos que, no restante do caminho, vou estar junto com ele. a próxima parada é o "sobe e desce", puteiro da rua são paulo. para lá nos dirigimos. as pessoas nos olham, enquanto atravessamos as ruas. fazem zooms sobre o leandro, sobre o seu lenço, brincos.
chegamos e ele pergunta: "é aqui o sobe e desce?" o homem confirma e nos permite subir. alguns homens estão descendo (não teria nome mais adequado: o sobe-e-desce é constante). chegamos ao primeiro andar. corredores com várias portas. algumas fechadas.
nas portas abertas, mulheres seminuas estão postadas. avançamos até o final do corredor e nos deparamos com uma escada. um cartaz: "no 2º andar, tem mulher". subimos. mais corredores e mulheres.
uma porta aberta, sem nenhuma puta na porta. entramos no quarto, escadinha, cama redonda. ela está deitada, de bruços. perguntei se ela dançava pra gente. ela disse que não, só sexo. "quanto?" pergunto. "no mínimo, dez reais". agradecemos, pensando se pagávamos para conversar com ela.
subimos mais um andar. espaço aberto. um bar ao fundo. sinuca. juke box toca alto músicas insuportáveis. resolvemos ficar ali, e jogar uma sinuca, tomando uma cerveja e fumando um cigarro. mesmo sem dressing, fiz um "cross" comportamental, ficando ali, no espaço dos homens.
quero voltar mais lá. gostei de ser uma mulher de desprogramar organismo (o meu) e meio...

sábado, outubro 23, 2010

Um novo ciclo obsceno

Outubro de 2010. Muitos fatos obscênicos. Novas/velhas discussões em diferentes roupagens.
Colocamos na roda nossos focos de interesse: corpo, cidade, Poder, Intervenção Urbana, performatividades, nomadismos, interrupções, Sociedade do Controle, disciplina dos corpos etc.

Mais gente chegando e (será?) ficando e propondo: Matheus, Frederico, Patricia, Flávia e Leandro. O fato é que iniciamos um novo ciclo no agrupamento e começamos a leitura e discussão de um texto de Eleonora Fabião que se intitula: "Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea" , texto incluído na revista SALA PRETA da USP/2008.

Algumas discussões que surgiram: qual é a ideia de "performance como programa"? Que tipo de programa? Programa que des-programa o programado da vida social? Interrompe? Provoca? Como falar de performance sem ter o teatro como referência? Programas criam corpos? Que outros corpos serão estes? Se "performers são complicadores culturais", o que é cultura hoje?O que é um corpo? O QUE MOVE UM CORPO QUE SE MOVE PELA CIDADE?

Davi (Coletivo Vago) participou da última discussão (na casa de Lissandra) e trouxe contribuições importantes, enviando depois um texto da Helena Katz sobre "agenda de ações" o que pode se aproximar da ideia de programa. Vou investigar melhor isso e depois escreverei aqui no blog.

Nina colocou em discussão o termo "dramaturgia" que a Fabião adota para se referir a algumas ações performáticas. Serão mesmo dramaturgias? De que tipo? Enfim, muitas questões. Mas percebemos que a autora deseja aproximar teatro e performance.

Depois discutimos a questão do espaço: arte na rua e arte na galeria. Qual a diferença? O que muda na interrupção das pessoas? Haverão espaços instituídos e outros a instituir? Linhas de fuga para quebrar espaços já constituídos? Mas a rua não se transformou numa grande galeria da publicidade, do Poder público e da espetacularidade dos corpos dos transeuntes? E os códigos de comportamento?

São estas discussões que nos potencializam e conceitos geram práticas de experimentação, ganham nossos corpos e o corpo da cidade. "Um programa é um ativador de experiência". (FABIÃO, 2008, p. 237).

Leandro propôs uma experimentação (mui interessante) para a próxima segunda. Envolve uma questão sobre a construção dos gêneros. Falarei dela na próxima postagem.